Senadores e deputados negociam para aprovar em novembro a regulamentação do mercado de carbono (PL 182/2024), antes da 29ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 29). O mecanismo permite que empresas e países compensem geração de poluição por meio da compra de certificados atrelados a iniciativas de preservação ambiental, que serão executadas por outras entidades.
A informação foi divulgada na quarta-feira (23) pelos senadores Otto Alencar (PSD-BA) e Efraim Filho (União-PB), após reunião de lideranças do Senado. A COP 29 acontece entre os dias 11 e 22 de novembro em Baku, no Azerbaijão.
Otto, líder interino do governo no Senado, informou que a senadora Leila Barros (PDT-DF) será a relatora do projeto no Senado e vai participar de uma videoconferência nesta quinta-feira (24) com o deputado Aliel Machado (PV-PR), que foi o relator na Câmara. O objetivo é chegar a uma versão que agrade a ambos para acelerar a aprovação nas duas Casas.
— Vamos chegar a um denominador comum. Temos que ouvir antes o presidente do Senado e o presidente da Câmara, ou seja, vai ser uma reunião de consenso, para que o que for aprovado aqui possa ser mantido na Câmara dos Deputados. Vou levar esse texto depois para a Secretaria de Relações Institucionais [da Presidência da República], para não ter dificuldades com vetos que possam acontecer.
Efraim afirmou que acredita na aprovação do projeto antes da COP 29. Segundo ele, o projeto faz parte de um esforço legislativo que visa especialmente a edição seguinte do evento, a COP 30, que será realizada em Belém (PA) em 2025. Será a primeira vez que o Brasil vai sediar a conferência climática das Nações Unidas.
— Acho que o Brasil tem a missão de liderar esse processo de transformação, e o Congresso Nacional quer entregar esse texto votado e aprovado por consenso ainda neste mês de novembro — disse Efraim.
Repasse para indígenas
Otto explicou que o principal impasse nas negociações é a obrigação de o poder público repassar a indígenas, quilombolas e assentados da reforma agrária no mínimo 70% dos ganhos com vendas de créditos de carbono gerados nessas terras. Segundo o projeto, o Estado poderá realizar diretamente projetos de sustentabilidade em áreas de posse desses grupos que resultem em crédito de carbono, ou seja, que representem uma compensação de preservação ambiental a ser financiada por países ou entidades que poluírem além dos limites acordados. Para Otto, o percentual é alto.
— O deputado Aliel quer definir em lei um percentual de proteção aos índios. Existe aí uma proposta de deixar para regulamentar isso depois, por decreto presidencial. O questionamento que ele fez é: quem é que vai estar sentado na cadeira do Presidente? Alguém consciente, como o presidente Lula? Ele em parte tem razão, mas não no percentual que está querendo.
Efraim minimizou as mudanças feitas pela Câmara dos Deputados. Segundo ele, a versão final a ser aceita por ambas as Casas depende apenas de “ajustes finos” de redação.
O projeto
O PL 182/2024 cria regras para os dois setores do mercado brasileiro de crédito de carbono: o regulado e o voluntário. O primeiro envolve iniciativas do poder público e observa regras estabelecidas no Protocolo de Kyoto, assinado na COP 3, em 1997, que previu pela primeira vez os créditos de carbono. Já o segundo se refere à iniciativa privada, mais flexível e sem uma padronização imposta.
Para o chamado “setor regulado”, o texto prevê a criação de um órgão gestor responsável por criar normas e aplicar sanções a infrações cometidas pelas entidades que se sujeitarão a ele. Será o caso das próprias iniciativas governamentais ou de organizações que emitam mais de 10 mil toneladas de dióxido de carbonoequivalente (CO2eq) por ano.
O CO2 equivalente é uma medida usada para comparar as emissões de diferentes gases de efeito estufa, levando em conta o potencial de aquecimento global de cada substância e representando o total em uma quantidade de CO2 que teria o mesmo potencial. A Petrobras, para fins de comparação, emitiu 46 milhões de toneladas de CO2eq em 2023, segundo relatório da estatal.
As organizações sujeitas à regulação deverão fornecer um plano de monitoramento e relatórios de suas atividades ao órgão gestor. O setor do agronegócio, no entanto, não será atingido pelo projeto.
Venda de certificados
O órgão gestor, juntamente com um comitê técnico consultivo e um órgão decisor superior, conduzirão o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). Neste sistema ocorrerão a instituição e negociação dos créditos de carbono no setor regulado, a ser adquirido pelas entidades poluidoras:
Caso o projeto vire lei, o sistema será implementado por fases, e só será plenamente instituído após a vigência do primeiro Plano Nacional de Alocação — que limitará as emissões dos créditos e controlará seus preços. O Plano, por sua vez, só será executado, no mínimo, após quatro anos de vigência da lei.
Comércio
Uma das formas de adquirir os crédito de carbono poderá ser pelo mercado financeiro e de capitais, desde que sujeito às regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula o setor. Segundo a B3, entidade que gere a bolsa de valores, atualmente uma das maiores referências no mercado de carbono é o Sistema da União Europeia de Transação de Emissões (EUETS, em inglês).
Conferência
A COP é um dos maiores evento no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU). Nela, chefes de Estado e representantes de países e organismos internacionais debatem o cenário das mudanças climáticas e firmam práticas e acordos globais para conter seus avanços e seus danos. A edição de 2024 deve receber de 50 a 60 mil pessoas.
A participação do Brasil no evento foi tema de audiência pública da Comissão de Meio Ambiente (CMA) na quarta-feira (23) . Na ocasião, o secretário-executivo adjunto do Ministério da Fazenda, Rafael Dubeux, afirmou que a aprovação do projeto daria vantagem especial ao Brasil nas negociações da COP 29.
— Seria da maior relevância para trazer ainda mais legitimidade para o Brasil nesse debate — disse Dubeux.
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