O número de beneficiados pelo Bolsa Família em Campinas (SP) cresceu 64,7% na última década. Dados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome mostram que foram atendidas 162.825 pessoas em janeiro de 2024, enquanto em 2014 a base do programa era de 98,8 mil moradores. O volume atual representa 14,2% da população da metrópole.
Crises econômica e política, pandemia da Covid-19 e eventuais distorções na base de cadastrados ajudam a explicar o cenário no período, segundo o economista Roberto Brito de Carvalho, da PUC-Campinas. Mas, de qualquer forma, o especialista classifica o cenário como trágico.
"Existem diversas questões que devem ser colocadas [sobre o aumento], mas a gente pode apontar isso como uma tragédia. É lamentável que isso esteja ocorrendo, mas que bom que, de alguma maneira, existe uma política de assistência social para lidar com essa realidade triste", destaca.
No mês de janeiro de 2024, o Programa Bolsa Família destinou R$ 42.463.483,00 entre as famílias cadastradas em Campinas, o que resultou em um benefício médio de R$ 676,13.
Bolsa Família em Campinas
Número de pessoas beneficiadas cresceu 64,7% desde 2014.
Um dos pontos destacados pelo economista é a mudança do cenário do país no período. Enquanto em 2014 o Brasil vinha de "um horizonte de prosperidade", a partir de 2015 "andou de lado por muito tempo", como define Carvalho.
"Quando você pega os dados de 2014, a gente tinha pelo menos um período, um horizonte de praticamente 10 anos, talvez até 15 anos de prosperidade no país, onde as coisas foram melhorando, a renda foi aumentando, a taxa de desemprego foi caindo e isso evidentemente fez com que um número grande de pessoas saísse da linha da miséria. Foi muito comum ver pessoas acenderem à classe média", lembra.
O professor da PUC, no entanto, lembra que ao analisar a realidade atual e dos últimos dez anos, ela é marcada por uma série de problemas econômicos, crises políticas, crises econômicas de fato, e não bastasse isso, a emergência sanitária provocada pela pandemia da Covid-19.
"Esse conjunto de elementos coloca um cenário absolutamente diferente e portanto mais pessoas nessa condição de vulnerabilidade social."
Não é só crise?
Roberto Brito de Carvalho faz um alerta para outro elemento presente na equação, que envolve o controle e auditoria da base de pessoas no chamado Cadastro Único (CadÚnico), que dá acesso aos brasileiros em situação de vulnerabilidade aos programas de assistência social.
Segundo o economista, houve durante a gestão federal anterior "negligência de tais políticas assistenciais até que elas se tornaram absolutamente relevantes, tanto em função do problema gerado pela pandemia como possível uso eleitoral". "Não diferente como outros fizeram no passado", pontua.
"É bem verdade que a desarticulação das estruturas de dados e sobretudo a desorganização da informação pode provocar hoje um excesso de nomes presentes dentro do Cadastro Único que necessita ser revisto. É necessário uma reestruturação, reorganização dos dados, uma auditoria de assistência social em relação a esses itens", defende.
Ao g1, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome defendeu que a nova gestão, a partir de janeiro de 2023, encontrou "cenário de graves distorções na base de dados do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (Cadastro Único)", que incluem desde "a paralisação dos processos de revisão e averiguação cadastral durante a pandemia de Covid-19 e também a transformações no desenho dos programas de transferências de renda (em especial, Auxílio Emergencial e Programa Auxílio Brasil), com mudanças frequentes de critérios e valores dos benefícios, trazendo insegurança para gestores e incentivos equivocados para a população quanto a natureza desses benefícios e regras do Cadastro Único".
Em comunicado, a pasta ressaltou o registro do aumento "expressivo" de famílias cadastradas após o fim do Auxílio Emergencial, e a inclusão de famílias compostas por uma única pessoa no CadÚnico.
"Ademais, entre outubro de 2021 e dezembro de 2022, que englobou o fim do Auxílio Emergencial 2021, a transição entre o Programa Bolsa Família e o Auxílio Brasil e o período eleitoral verificou-se salto expressivo no quantitativo de famílias cadastradas, passando de 31 para 41 milhões de famílias (aumento de 55%) e no quantitativo de famílias beneficiárias do Programa Auxílio Brasil, passando de 15 para 22 milhões de famílias (aumento de 55%).
No mesmo período, além do expressivo aumento no número de famílias cadastradas e beneficiárias, há um crescimento exponencial da inclusão de famílias compostas por uma única pessoa no Cadastro Único, sem refletir a dinâmica demográfica das famílias brasileiras. Segundo a PNAD, em todo o Brasil houve de fato um aumento das famílias/domicílios unipessoais, porém em número menor do que o observado no cadastro".
Segundo o MDS, ações estão sendo realizadas para melhorar a qualidade do Cadastro Único, e mitigar riscos de habilitação indevida e manutenção de pagamentos incorretos no PBF decorrentes de viés na composição familiar de famílias inscritas no Cadastro Único.
"A qualidade dos dados é essencial para a correta focalização do Programa, bem como para a identificação do seu perfil e das suas necessidades em termos da proteção estatal (alcançando direitos como saúde, educação, cultura, trabalho, moradia entre outros). Por isso temos destacado a importância do processo de qualificação do Cadastro Único, alcançando a correção, revisão e atualização dos registros e identificação das famílias inscritas, beneficiárias e não beneficiárias do Programa Bolsa Família", afirma.
O que pode ser feito?
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, foram retomadas, a partir de 2023, de processos de qualificação cadastral para verificar divergências de renda declarada, inconsistências na composição familiar e revisão cadastral.
Para a inclusão ao Bolsa Família, as seguintes medidas passaram a ser aplicadas em julho de 2023:
Exigência de documentação a ser inserida no Sistema de Cadastro Único, para atualização e inclusão cadastral de famílias unipessoais: o operador do sistema deve inserir cópias digitais de documento de identificação com foto e de Termo de Responsabilidade assinado pelo cidadão, que se declara como família unipessoal; com exceção de pessoas em situação de rua, indígenas e quilombolas, que já possuem orientação específica de cadastramento. Essa medida também gerou reflexos no Programa Bolsa Família, colocando o impedimento para entrada no PBF às famílias unipessoais que não tiverem a documentação exigida incluída no Sistema do Cadastro Único;
Recomendação de atualização cadastral em domicílio quando houver indicação, pelo responsável familiar, de exclusão da pessoa que teve a renda informada de forma automática, a partir do povoamento do CNIS.
Exigência de CPF em situação regular na base da Receita Federal para habilitação ao Bolsa Família. A existência de pendência do CPF no Cadastro Único em famílias não beneficiárias do PBF impede a entrada (habilitação e seleção) da família no programa até a regularização da situação. Em janeiro desse ano, a medida passou a abranger também as famílias beneficiárias do Programa.
Segundo a pasta, com as medidas não são concedidos benefícios para famílias com divergências de renda que apontem para renda incompatível com o programa, cadastros desatualizados e demais pendência indicadas.
"Tais medidas visam assegurar que sejam atendidas as famílias que de fato necessitam e que a transferência de renda proporcionada pelo Programa Bolsa Família seja o pontapé inicial que elas necessitam para alcançar outros direitos e novos patamares na sua autonomia e desenvolvimento", complementa a pasta.
Demanda no município
O Bolsa Família é um programa de transferência de renda do governo federal, mas são os municípios responsáveis por realizar o atendimento e cadastro dos moradores, uma vez que o Cadastro Único é a ferramenta considerada essencial no mapeamento e na identificação das famílias em situação de vulnerabilidade social.
Secretária municipal de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos, Vandecleya Moro afirma que Campinas reconhece a importância de um serviço público que respeite a dignidade e as necessidades individuais de cada cidadão.
"O atendimento humanizado é essencial para promover uma experiência positiva para os usuários dos serviços sociais, especialmente quando se trata de famílias em situação de vulnerabilidade", pontua.
Segundo a titular da pasta, o agendamento eletrônico de cadastro e atualização cadastral é uma medida "que visa humanizar, organizar e otimizar o atendimento, reduzindo filas e esperas desnecessárias".
"A possibilidade de agendar por telefone ou via WhatsApp é um exemplo de como a tecnologia pode facilitar o acesso aos serviços públicos, tornando-os mais acessíveis à população. Esta abordagem não só melhora a eficiência dos serviços prestados, mas também respeita a disponibilidade das famílias que buscam apoio", completa.
Para quem precisa dos serviços ou realizar a atualiação cadastral, é necessário agendar atendimento no Centro de Referência de Assistência Social (Cras) mais próximo - veja lista de unidades.
Para agendar, o morador deve entrar em contato pelo telefone 156 ou via WhatsApp com o canal destinado à região onde reside:
Região Norte: (19) 99392-4913
Região Sul: (19) 99443-8253
Região Sudoeste: (19) 99493-1419
Região Noroeste: (19) 99548-1412
Região Leste: (19) 99476-4677
Perspectiva de futuro
Apesar da expansão da base de beneficiados no período, o que demonstra aumento do número de moradores em situação de vulnerabilidade social, o economista Roberto Brito de Carvalho vê uma possibilidade de melhora no futuro, diante da expectativa de que a atividade econômica brasileira melhore.
"A taxa de desemprego tende a cair, a taxa de juros vai diminuir, o número de investimentos vai acontecer, passa a haver uma expectativa de que efetivamente a gente tenha um cenário de prosperidade. E isso é bom para todo mundo", destaca.
O professor da PUC ressalta que, de forma geral, pessoas que estão em grau de miserabilidade e vulnerabilidade têm mais dificuldade de se inserir e "de sair dessa situação trágica do ponto de vista socioeconômico", mas que há, no médio a longo prazo, perspectiva de melhora do cenário.
"Isso faria com que os auxílios sociais fossem menos demandados, à exceção daqueles que não têm outra possibilidade de geração de renda", completa.
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