Em 2023, uma em cada quatro pessoas em todo o mundo foi afetada pelos eventos extremos de seca, com alta de 29% em relação ao ano 2000. O dado foi apresentado pelo secretário executivo da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD), o mauritano Ibrahim Thiaw, durante audiência na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (12).
“A cada segundo, o mundo perde o equivalente a quatro campos de futebol de terra saudável devido à destruição da vegetação nativa e ao mau gerenciamento da terra. Anualmente, isso totaliza 100 milhões de hectares", disse ele. "Se as tendências atuais continuarem", completou Thiaw, "vamos precisar restaurar 1,5 bilhão de hectares de terra até 2030 para atingir a meta de neutralidade na degradação da terra. As secas (no mundo) estão ocorrendo com mais rapidez e representam uma emergência sem precedentes em escala planetária”.
Essa emergência agravada pelas mudanças climáticas vai dominar os debates da COP-16 de Desertificação, prevista para dezembro em Riad, na Arábia Saudita. A reunião de cúpula vai definir novas metas de neutralidade na degradação da terra, estruturas de resiliência à seca e fortalecimento dos sistemas agroalimentares. Ibrahim Thiaw espera protagonismo do Brasil diante do papel de líder global no comércio de commodities agrícolas e na produção de energia hidrelétrica e por abrigar áreas florestais que regulam o sistema de chuva na região.
O País viveu seca histórica na Amazônia, no ano passado, e acaba de ver antigas áreas semiáridas avançarem para clima de deserto, segundo dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). O diretor do Departamento de Combate à Desertificação do Ministério do Meio Ambiente, Alexandre Pires, atualizou os dados.
“Na região norte do estado da Bahia e no sul de Pernambuco, oito municípios, em um polígono de aproximadamente 6 mil km2, aparecem como clima árido. O Cemaden também apresentou para nós uma ampliação do clima semiárido sobre o clima subúmido seco na ordem de 370 mil Km2”, explicou.
Pires também mostrou o impacto disso para a população.
“A área de desertificação no Brasil atinge aproximadamente 38 milhões de pessoas: mais de um milhão e setecentos mil estabelecimentos da agricultura familiar, 42 povos indígenas, centenas de comunidades quilombolas que são diretamente afetadas por esses fenômenos”, disse.
Alexandre Pires citou dados ainda em análise que apontam para o surgimento de clima subúmido seco no norte do estado do Rio de Janeiro e em áreas do Pantanal (MS). A expansão de agropecuária e mineração sem manejo estão ligadas a desmatamentos que deixam o solo suscetível à erosão e à degradação permanente. O governo federal atualiza o Plano Nacional de Combate à Desertificação, criado em 2004, e desenvolve projetos em parceria com o Fundo Global para o Meio Ambiente, com foco em ações concretas de restauração dos biomas, recomposição da biodiversidade e tecnologias sociais.
O coordenador de irrigação e conservação de solo e água do Ministério da Agricultura, Gustavo Goretti, explicou que as ações contra a degradação de solos áridos também são articuladas no Plano Nacional sobre Mudança do Clima, que passa por revisão. Ele admitiu que um dos gargalos está na disponibilização de tecnologias para os produtores rurais por meio de assistência técnica rural.
Conhecimentos tradicionais
Dirigente da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), Rafael Neves defendeu a valorização do conhecimento dos povos da Caatinga, baseado em estratégias de convivência com o semiárido.
“É esse conjunto de práticas com a Caatinga em pé sustentada pelo povo do território que dá a capacidade de a gente virar esse jogo. A Caatinga talvez tenha um dos maiores potenciais de reter carbono no Brasil e a capacidade, inclusive, de alimentar o seu povo”.
Organizador do debate, o deputado Fernando Mineiro (PT-RN) anunciou a ajuda do Parlamento na articulação das ações que o Brasil vai apresentar na COP-16 de Desertificação, em dezembro.
“A Comissão de Meio Ambiente da Câmara criou uma subcomissão para tratar da Caatinga. Vamos apresentar um plano de trabalho para nos somarmos. São muitas iniciativas e precisamos unificá-las e interligá-las”.
A convenção sobre desertificação completa 30 anos: foi gestada durante a Rio-92 e aprovada pela ONU em 17 de junho de 1994, que passou a ser considerado o Dia Mundial de Combate à Desertificação.
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