Servidoras da Polícia Rodoviária Federal denunciaram, em audiência na Câmara, casos de assédio na instituição. A funcionária terceirizada Denise Lara Lacerda sustentou ter sofrido assédios sexual e moral. A engenheira relatou que, depois de um colega denunciar a situação à chefia e ela ser chamada a testemunhar, passou a sofrer perseguições e acabou demitida.
A servidora administrativa Sabrina Pereira Soares Damasceno também relatou ter sido vítima de assédio sexual em 2015, quando ainda estava em estágio probatório. Segundo disse, ao não corresponder às investidas de seu então chefe imediato, se tornou vítima de assédio moral e perseguições. Ela era lotada em Minas Gerais, seu estado natal, e teve de se transferir para o Espírito Santo em consequência do caso, segundo narrou na audiência.
De acordo com Sabrina Soares, a corregedoria da PRF foi negligente com as denúncias.
“Um certo dia, esse servidor apertou a minha barriga e disse: ‘nossa, que durinha’. Eu fiquei chocada, porque eu mal conversava com ele, eu nunca dei liberdade para ele ou qualquer outro fazer isso no trabalho. E no parecer da corregedoria, eles disseram que o fato ocorreu em tom de brincadeira. Nem o meu próprio depoimento foi respeitado pela comissão, integralmente masculina, da corregedoria", relatou Sabrina. "Em outra ocasião, ele pegou na minha coxa. E, outra vez, a corregedoria entendeu que esse toque foi uma tentativa de me consolar”.
Sabrina Damasceno contou que suas denúncias nunca foram sequer aceitas. Ela só participou de um processo como testemunha, quando uma policial de Brasília fez uma queixa contra o mesmo acusado. Em Minas Gerais, conforme os relatos, esse mesmo policial teria assediado seis mulheres, mas, depois de cinco anos da abertura de um único processo na corregedoria da Polícia Rodoviária Federal, o caso acabou arquivado.
O policial rodoviário federal Igor Cesar Gonçalves Pereira, marido de Sabrina Damasceno, denunciou que, depois que o processo foi arquivado, o acusado utilizou o caso para processar as mulheres que fizeram as denúncias. Conforme disse, o acusado agora processa quatro mulheres, e pede uma indenização de R$ 700 mil reais.
De acordo com a policial Pamela Pereira Vieira, até hoje a Polícia Rodoviária Federal não tem sequer alojamento e banheiro femininos. Diante disso, sustentou que as mulheres são submetidas a situações como ver os colegas nus ou mesmo se tocando no alojamento diante delas.
“Não há estatística de quantos assediadores foram punidos pela nossa corregedoria. Se não há essas estatísticas, é porque não há transparência, e eu só posso chegar à seguinte conclusão: ou só temos santos na PRF, ou existe uma estrutura de acobertamento sistemático dos assediadores na Polícia Rodoviária Federal", disse. "Vários relatos chegaram até a mim, piadinhas, exclusão, alguns mais graves, como passar a mão, tentativa de estupro. Nós recebemos sempre comunicados falando de que alguns policiais foram demitidos por corrupção. Eu nunca recebi um comunicado dizendo que alguém foi punido por assediar uma mulher.”
Falta de clareza
Segundo o corregedor-geral da Polícia Rodoviária Federal, Vinicius Behrmann Bento, até o ano passado, era difícil lidar com os casos de abuso porque não havia previsão explicita de assédio sexual no ordenamento jurídico com relação a penalidade disciplinar, no âmbito administrativo. Segundo disse, só em dezembro de 2023, a Controladoria-Geral da União publicou nota técnica com a diferenciação entre assédio sexual e outras condutas de natureza sexual.
Essa nota define quais comportamentos considerados assédio sexual devem ser punidos com demissão. Já aqueles com “menor potencial ofensivo, como piadas inapropriadas”, devem ter pena de advertência ou suspensão.
Ainda conforme o corregedor-geral, no ano passado a PRF puniu 11,4% dos acusados de assédio sexual.
Autora do requerimento para a realização do debate, a deputada [[Erika Kokay]] ressaltou a necessidade de investigar as denúncias e punir os abusadores.
“A forma mais perfeita de tentar manter as coisas como estão é negar que existem os problemas. Portanto, é preciso que tenha avaliação de clima organizacional, é preciso que tenha espaços de falas, pessoas se sintam à vontade, confortáveis para falar, é preciso ter sistematização de fluxo de denúncia para que você possa ter segurança de que a sua denúncia vai representar respostas. Porque senão é o estímulo à impunidade, e a impunidade naturaliza a violação e fere o Estado Democrático de Direito”, afirmou.
A audiência pública sobre assédio moral e sexual na Polícia Rodoviária Federal foi realizada pela Comissão de Legislação Participativa.
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