A implementação dos direitos das pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) foi cobrada pelos participantes de audiência pública na Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (9). A audiência foi promovida para comemorar o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo, celebrado em 2 de abril.
A deputada Andreia Siqueira (MDB-PA), que solicitou o debate, pediu apoio do governo federal para que os municípios menores tenham centro de reabilitação para pessoas com TEA. “Eu vi muitas mães lutando para conseguir um laudo para seus filhos, e a luta maior é conseguir atendimento nos centros”, apontou. Além disso, destacou que faltam profissionais especializados. “A dificuldade de ter um neuropediatra em cada município, a dificuldade de ter uma equipe multidisciplinar, que é o fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, estas são duas categorias que são raras”, observou.
O deputado Amom Mandel (Cidadania-AM), que foi diagnosticado com TEA aos 14 anos, acredita que a Casa acena positivamente para os familiares das pessoas com TEA, mas os parlamentares não aprovam de fato os projetos de lei que beneficiam essas pessoas. “Muito embora eu hoje, como pessoa com Transtorno do Espectro Autista, tenha ocupado um espaço de poder que outros não tenham conseguido até hoje na história do Brasil, isso não significa infelizmente que os direitos e as necessidades das pessoas com TEA e de outras pessoas com determinadas necessidades serão atendidas”, afirmou.
Segundo o parlamentar, mesmo quando se consegue a aprovação de direitos, as pessoas com TEA não conseguem acesso a eles de forma efetiva nas cidades.
Para o presidente de honra do Movimento Orgulho Autista Brasil, Fernando Cotta, é preciso mapear os gargalos em cada área – na educação e na saúde – que impedem a plena concretização dos direitos das pessoas com autismo.
Educação inclusiva
Diretor de Políticas de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva do Ministério da Educação, Francisco Dourado, reforçou o compromisso do governo federal com a causa e a defesa da política nacional de educação especial na perspectiva inclusiva. Ele lembrou que o governo atual revogou o decreto do governo anterior que abria margem para que escolas negassem a matrícula de alunos com deficiência, que ficou conhecido como “decreto da exclusão” ( Decreto 10.505/20 ).
Agora, de acordo com o diretor, o ministério discute ações para fortalecer essa política, como a lista de equipamentos e tecnologias assistivas para as escolas e a formação de profissionais de apoio escolar com foco em TEA.
Francisco Dourado, que tem autismo, afirmou que é necessário enfrentar o capacitismo - ou seja, a discriminação e o preconceito social contra pessoas com alguma deficiência. “Ser autista numa sociedade capacitista significa enfrentar barreiras diárias que nos desumanizam e excluem de maneira sistemática, inclusive muitas vezes no seio de nossas próprias famílias, e a gente enfrenta barreiras para acessar as políticas públicas de educação, de proteção social, de saúde”, disse.
Plano individualizado
Diretora do Grupo Mais Inclusão, Viviani Guimarães destacou a importância do plano educacional individualizado para que os alunos com TEA efetivamente aprendam na escola. “A gente recebe inúmeras denúncias de pessoas que se encontram em escolas enrolando bolinhas, fazendo massinha, dormindo na sala de aula”, citou. Ela ressaltou que não basta receber o estudante na escola, mas é preciso de um planejamento para que cada estudante realmente aprenda e se desenvolva. “Se a criança não estiver aprendendo, não é inclusão”, salientou.
Representante da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Roselene Alves, que também é autista, acredita que é preciso reconhecer a neurodiversidade, ou seja, reconhecer que cada pessoa com TEA é diferente. “Pessoas autistas são diversas em várias experiências sensoriais, como a seletividade alimentar, o padrão sensorial, a questão de gênero, classe, raça/etnia, entre outras situações existentes”, afirmou. Ela lembrou que autista negro tem mais dificuldade de ter acompanhamento adequado do que um branco, por exemplo.
Na visão de Roselene, a sociedade subjuga a capacidade das pessoas autistas. “Suas potencialidades são descartadas ou sequer imaginadas por várias pessoas da sociedade, que mantém ainda a imagem pueril de um autista inocente, angelical e desprovido de consciência crítica acerca da sua própria realidade”, completou. “Autistas adultos podem se casar, ter filhos, fazer uma pós-graduação, trabalhar e ter sua dignidade e direitos garantidos. Sim, autistas podem ser pesquisadores, cientistas, gestores públicos, chefes de família, pessoas capazes de tomar decisões a seu próprio respeito e de outras pessoas. Eu mesma sou uma autista que faz doutorado”, acrescentou.
Falta de apoio
Maria do Carmo Ribeiro, da Associação Brasileira de Autismo, concorda que há muitas leis, mas falta atendimento, e as mães precisam de ajuda. “Qualquer mãe que está aqui vai concordar comigo: nosso maior medo é morrer e deixar nossos filhos. Nós queremos garantia de direito, garantia de Estado, que nós tenhamos centros de reabilitação, centros de convivência, onde nossos filhos possam ficar e ser atendidos. Até para morrer, a mãe de autista não morre em paz”, disse.
Para a deputada Erika Kokay (PT-DF), a comissão deve fiscalizar a implementação das leis. Ela sugeriu a criação de uma subcomissão na Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência com esse objetivo.
Ações na saúde
Aline Costa, da Coordenação-Geral de Saúde da Pessoa com Deficiência do Ministério da Saúde, informou que em 2023 foi atualizada a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Pessoa com Deficiência, criada em 2002. De acordo com ela, o desafio agora é implementar as ações previstas, como expandir os serviços e fortalecer grupos condutores dos estados e municípios responsáveis pelas ações.
A Câmara também realizou sessão solene no Plenário nesta terça-feira (9) sobre o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo. Além disso, a fachada do prédio do Congresso Nacional recebe, entre as 19 horas e as 21 horas, projeção de frases e imagens sobre o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo.
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