O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) cobrou do Poder Executivo uma posição mais clara em relação à proposta de regulação das plataformas digitais ( PL 2630/20 ). Ele considera que o Poder Legislativo tem sido omisso no tema, e o Executivo, leniente. Para ele, deve haver um debate entre as cúpulas dos Poderes para firmar um “mínimo denominador comum” para a regulação das plataformas digitais.
No início de abril, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), anunciou que a proposta não seria votada na forma apresentada pelo relator, Orlando Silva, e que um grupo de trabalho seria constituído para construir um novo texto. Porém, o grupo ainda não foi criado.
“Eu queria fazer essa provocação para vocês: uma proposta mais minimalista, que trate dos temas essenciais e, a essa altura, pela forma como se desenvolveu o processo político no Brasil, a legitimidade pode estar sobretudo no Poder Executivo, que também tem força política, que também tem capacidade de diálogo e pode ser o fato novo, para que a gente possa organizar a discussão sobre a regulação das plataformas digitais”, disse Silva.
O deputado participou do Simpósio “Regulação de plataformas digitais – A urgência de uma agenda essencial à democracia” na Câmara dos Deputados. O evento foi promovido pela Coalizão Direitos na Rede, frente composta por mais de 50 organizações da sociedade civil.
Conforme Orlando Silva, no Parlamento há uma visão muito cristalizada “anti-regulação”, e a maior divergência se dá em torno da entidade supervisora para as plataformas. “Se o tema não vai à pauta, é porque existe uma maioria política na Câmara que compreende que não é adequado desenvolver esse tipo de abordagem”, disse. “Isso nos leva a um lugar de paralisia por parte de quem tem a obrigação de agir”, completou.
Posição do governo
Secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, João Brant garantiu que o governo entende a criação de regras para as plataformas digitais como tema prioritário, a partir do PL 2630/20 , sob a relatoria do deputado Orlando Silva. Segundo ele, o governo trabalhou para a aprovação da urgência da proposta, em abril de 2023, mas o texto não foi votado pelo Plenário. Brant disse que, desde então, o governo promove diálogo sobre o texto com diversos setores, como sociedade civil e empresas.
O secretário destacou que o regulamento de serviços digitais da União Europeia aponta referência importante para a formulação da lei brasileira. Ele acredita que é preciso aumentar a responsabilidade administrativa e cívica das plataformas, mas sem tratá-las como meios de comunicação tradicionais, diretamente responsáveis por todas as publicações. Brant acrescentou que o tema da integridade da informação está sendo abordado pela primeira vez no G20 - fórum de cooperação internacional que reúne as 19 principais economias do mundo.
Mudança de termos
Influenciador digital e fundador do Instituto Vero, Felipe Neto pediu que fosse criada uma nomenclatura nova para tratar do tema, já que entende que a extrema direita conseguiu demonizar os termos regulação e regulamentação. “O que o público está ouvindo com essas duas palavras é censura. Está errado, está completamente errado, mas a extrema direita fundamentou esse preceito”, disse. “Enquanto usarmos essas duas palavras continuaremos perdendo o debate público”, acrescentou.
Embora rejeite esses termos, Felipe Neto apoia a proposta, que considera “uma espécie de Constituição digital”. Ele considera que as leis existentes não atendem às demandas do mundo digital. Embora o Código Penal, por exemplo, já preveja a punição de crimes contra a honra (calúnia, difamação, injúria), o influenciador digital acredita que é preciso estabelecer ritos exatos para que a punição desses crimes nas redes sociais funcione. Na visão dele, hoje existe resistência do Poder Judiciário em julgar esses crimes cometidos pela internet, muitas vezes tratados como ofensas inferiores pelo Judiciário.
Felipe Neto defendeu mais diálogo com a população, para mostrar que as regras vão garantir a liberdade de expressão, e não acabar com ela, além de garantirem a transparência nas redes sociais.“Hoje as redes sociais atuam como bem entendem, da maneira como querem, banindo contas quando elas entendem necessário e se recusando a banir quando não entendem necessário”, disse. “Se não tivermos o povo do nosso lado, os deputados não vão votar”, avaliou.
Normas existentes
Procurador do Ministério Público Federal (MPF-)SP, Yuri Luz lembrou que já existem, na legislação brasileira, regras para a internet. O Marco Civil da Internet estabelece, por exemplo, que o uso da rede no Brasil tem como fundamento não apenas respeito à liberdade de expressão, bem como o respeito aos direitos humanos. Além disso, de acordo com o Marco Civil, o usuário tem o direito de clareza de eventuais políticas de uso de serviços, o que vale para as aplicações de internet. Há ainda direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor.
Com base nessas normas, o Ministério Público Federal tem feito cobranças às plataformas, como, por exemplo, que tenham um canal de comunicação direto com o usuário, para denúncias de conteúdos abusivos. Ainda assim, o procurador considera necessária uma lei específica para as plataformas, já que as existentes não foram pensadas levando em conta as características do mundo digital.
Na visão dele, se o Parlamento não aprovar uma lei, no médio prazo uma regulação virá por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) ou por normativas do Poder Executivo, sem debate público. No STF, está em discussão a responsabilidade das plataformas a partir da análise de dois recursos extraordinários.
Apoio da sociedade civil
Analista de Relações Governamentais do Instituto Alana, Manuela Halfeld lembrou que a Constituição estabelece o dever de toda a sociedade de assegurar respeito e proteção à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade. Assim, há necessidade de regras específicas para protegê-los nas redes sociais.
Representante da Coalizão Direitos na Rede, Paulo Rená frisou a urgência da matéria. “A nossa missão é seguir na pressão para a aprovação do PL 2630, porque a gente continua entendendo que essa é uma pauta urgente, muito pela falta de transparência generalizada na moderação de conteúdos e de perfis por parte das plataformas", disse. "A dinâmica do mercado por si só não foi suficiente para resolver problemas que ultrapassam as questões individuais, seja discursos de ódio, desinformação, e também nos riscos para a nossa democracia”, disse
O tema foi considerado prioritário também por representantes do STF, que tem um programa de Combate à Desinformação; do Pacto Pela Democracia - rede de organizações da sociedade civil brasileira que trabalham pela defesa da democracia; da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência; da Central Única dos Trabalhadores; do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), entre outras entidades da sociedade civil .
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