Desde 2022, graças a uma mudança na Lei 11.903/09 , a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pode determinar que alguns medicamentos não tenham bula impressa - apenas digital, legível por meio da leitura de um código QR impresso na embalagem do remédio. Mas um projeto de lei ( PL 715/24 ) que está sendo analisado na Câmara acaba com essa permissão que foi dada à Anvisa.
As possíveis implicações dessa mudança foram discutidas pela Comissão de Saúde da Câmara com a presença de representantes do Conselho Federal de Farmácia e outras associações e federações do setor.
O representante de um movimento chamado Exija a Bula, Alexandre Rolf de Moraes, demonstrou preocupação com a legislação atual. “A mãe e o pai de quem aqui consegue acessar uma bula digital? Qual a avó tem habilidade para abrir um dispositivo? O movimento Exija a Bula não é contra o meio digital. Nossa vida, parte dela, é no meio digital. Temos que manter os dois meios”, afirmou.
Ele lembrou que o Código de Defesa do Consumidor prevê que o direito da informação não pode ser restrito. A alegação da lei é ambiental, mas ele afirma que as bulas são produzidas por celulose sustentável e o custo da bula impressa é de R$ 0,4 a R$ 0,6 no preço do medicamento. Apesar de a lei estabelecer a possibilidade da bula exclusivamente digital para os chamados medicamentos isentos de prescrição, ainda são medicamentos, e podem provocar intoxicação cruzada e perigo na interação medicamentosa, disse Alexandre Rolf.
Ele também citou pesquisa Datafolha segundo a qual 84% dos consumidores querem manter a bula impressa. Mas o representante da Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos e Biossimilares (Pró-Genéricos), Tiago Vicente, diz que a lei atual não estabelece a extinção da bula impressa.
“Para os medicamentos autorizados a suprimirem as bulas impressas da embalagem deve haver garantias de que a bula física esteja sempre disponível quando solicitada, seja por meio de impressão ou envio de bula avulsa. Ou seja, mesmo que a Anvisa disser, por alguma razão, que tal medicamento prescinde de bula, a pessoa tem o direito de ter naquele local a bula impressa”, explicou.
Já o representante do Conselho Federal de Farmácia, Luiz Gustavo Pires, afirmou que a lei é contraditória e que informações em formato digital não substituem a apresentação do formato impresso. Ele disse que o conselho apoia o acesso amplo e diversificado à bula.
O farmacêutico lembrou que mais de 20 milhões de idosos não estão familiarizados com tecnologia e teriam dificuldades de acessar a bula digital. Além disso, a penetração da internet no Brasil ainda é precária. Apesar de 95% da população ter acesso à rede, apenas 22% têm boa qualidade de conexão.
Inclusão
A Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais confia na Anvisa para a definição de quais produtos terão exclusividade da bula digital. O representante da entidade, Henrique Tada, afirmou que a bula digital é inclusiva para pessoas com deficiência visual e iletrados, com as "videobulas" e "audiobulas.”
“Dessa população de 29,4 milhões de pessoas que não têm acesso à internet, 80% são compostos por pessoas iletradas, não alfabetizadas ou com ensino fundamental incompleto. Essas pessoas já não vão conseguir ler a bula em papel.”
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), autora do projeto que obriga a bula em papel, defende modificação na lei. “Não acho que o letramento, o analfabetismo possa ser argumento para anular a leitura de uma informação. Até porque quem não lê bula impressa não vai conseguir acessar a internet, não vai conseguir fazer nada disso”, argumentou.
O representante do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo, Marcelo Polacow, questionou pontos importantes, como quem seria responsável pela impressão da bula a pedido do paciente. Ele citou que o Japão implantou a bula digital e deu dois anos de prazo para adaptação, e defendeu um período de teste. Polacow também falou sobre o risco de ataques hacker e salientou que a cibersegurança é necessária para garantir o que vai escrito na bula digital.
Presente na reunião, o deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL) discordou do Conselho Regional de Farmácia. O deputado foi relator do projeto (PL 3846/21) que deu origem à lei, de iniciativa do deputado licenciado André Fufuca (MA). “Tem que ter o medicamento que tem uma só e tem que ter o medicamento que tem as duas [bulas].”
Uma das deputadas que sugeriu a audiência pública, Alice Portugal (PCdoB-BA) acrescentou que a Anvisa já tem um grupo de trabalho para acompanhar, avaliar e propor mudanças sobre a bula digital de medicamentos.
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