Pesquisadores ressaltaram a importância de uma lei para regulamentar a inteligência artificial, a despeito de normas recentes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para regular o uso da IA nas eleições. O assunto foi debatido em um congresso realizado na Câmara dos Deputados, nesta quinta-feira (9).
O deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), que solicitou a realização do debate, acredita que, para regulamentar a inteligência artificial, é preciso evitar o alarmismo e o pessimismo. Segundo ele, a IA pode ser instrumento eficaz para a redução de custos nas campanhas eleitorais, democratizando o processo político. Para ele, a regulação deve minimizar os riscos para a sociedade, mas estimular a inovação.
“Há uma certeza: um tema tão amplo e complexo não pode ser definido de forma precipitada, deve-se promover um amplo e plural debate na sociedade brasileira, sob pena de conduzirmos o País numa direção perigosa, em que deixemos de aproveitar os benefícios da tecnologia e nos tornemos refém dos seus riscos”, disse.
Professor da Universidade de São Paulo (USP), Lucas Amato destacou que, na falta de uma lei , a plataforma faz auto-regulação e o tribunal toma decisões discricionárias “e até arbitrárias”, e o usuário se vê em meio a embates entre as plataformas e o Judiciário. “Pior que ter uma lei ruim é não ter nenhuma lei”, avaliou. Ele lembrou que até hoje não foi aprovada uma lei sobre fake news e ele espera que a demora não se repita com a inteligência artificial.
“Quando o Legislativo não atua, o Judiciário acaba atuando, como no caso da resoluções do TSE”, reiterou a professora da Universidade de Brasília (UnB) e do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) Tainá Junquilho. Ela lembrou que, na liderança do G20 (fórum de cooperação internacional que reúne as 19 principais economias do mundo), uma das questões que o Brasil quer deixar como legado é a regulação da inteligência artificial.
Proposta em discussão
Está em análise no Senado Federal um projeto de regulamentação da inteligência artificial (PL 2.338/23), apresentado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fruto do trabalho de uma comissão de juristas criada por ele em 2022. O texto está sendo analisado junto a outras nove propostas, inclusive uma já aprovada pela Câmara ( PL 21/20 ), que lista diretrizes para o fomento e a atuação do poder público no tema. O texto está em análise na Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial no Brasil do Senado, cujo prazo acaba no dia 25 de maio.
Nesta quinta-feira (9), termina uma consulta pública sobre o substitutivo do relator, senador Eduardo Gomes (PL-TO), ao projeto. O texto prevê a criação de um Sistema Nacional de Regulação e Governança da Inteligência Artificial (SIA) - uma autoridade fiscalizadora que se pretende também articuladora dos diferentes agentes envolvidos, como Estado, plataformas digitais e sociedade civil.
Bons e maus usos
A professora Tainá Junquilho destacou alguns usos possíveis do IA nas eleições, segundo a resolução do TSE, como a produção de discursos e os chatbots (robôs) para interação com os eleitores. Ela observou, porém, que a inteligência artificial pode ser utilizada para produzir e reproduzir desinformação e discursos de ódio, aumentando a polarização política. “A IA pode ter um discurso que tem sido chamado academicamente de alucinado, ou seja, que não condiz de fato com a realidade, pode trazer dados inventados eventualmente”, ponderou.
Secretária de Assuntos Digitais do Ministério da Justiça, Lílian de Melo afirmou que a grande preocupação, em relação ao uso de IA nas eleições, refere-se ao uso da ferramenta de forma fraudulenta para criar áudios e vídeos conhecidos como deep fakes, afetando o eleitor, os candidatos e os partidos.
“Um conteúdo pode ser dissipado de forma tão rápida que, num ambiente mais restrito, em cidades menores, pode ser tão perverso a ponto de acabar com candidaturas e às vezes - o próprio TSE tem tido preocupação com a questão de gênero - afetar a reputação de candidatas e candidatos de forma irreversível”, disse.
Heloísa Massaro, diretora de Pesquisa e Operações do InternetLab, deu exemplos de maus usos da IA. Entre eles, a fabricação de um áudio do presidente norte-americano Joe Biden falando que as pessoas não precisavam votar nas eleições presidenciais primárias, ou seja, desestimulando a participação dos cidadãos. Ela salientou que a resolução do TSE proíbe os deep fakes.
Por outro lado, a pesquisadora observou que a IA pode ajudar os candidatos, por exemplo, na produção de santinhos, logomarcas e vinhetas, reduzindo os custos das campanhas e trazendo mais equilíbrio para as disputas. Conforme ela, o TSE determina que haja transparência sobre o uso da inteligência artificial, mas cria exceção para conteúdos de menor risco.
Desigualdades
Professor do IBMEC, Alisson Possa afirmou que, se por um lado, a IA pode trazer mais equilíbrio na disputa eleitoral, reduzindo alguns custos, por outro, pode aprofundar os desequilíbrios, já que os usos mais sofisticados da tecnologia demandam mais investimentos. Ele cita alguns desses usos complexos, ligados à análise de dados, que são legítimos, mas muito mais caros.
“O uso de IA aliado à leitura de impressões das redes sociais permite que os partidos e os candidatos consigam ter adaptação muito melhor das estratégias de campanha, ver aquilo que está funcionando e o que não está funcionando. Permite também identificar áreas do discurso eleitoral em que o candidato pode focar e ter uma efetividade maior”, mencionou.
De acordo com o professor, o TSE fez o que era possível ao regular a IA para as eleições municipais deste ano no Brasil, mas um dos problemas pode ser a fiscalização.
Participação das plataformas
O evento também contou com a participação de representantes das plataformas digitais, incluindo Grupo Meta, Google e Tik Tok. O deputado Aureo Ribeiro questionou sobre a velocidade da remoção de conteúdos durante as eleições. Todos os representantes afirmaram que trabalham em parceria com o TSE durante o período eleitoral. Segundo eles, a IA é usada pelas plataformas para a remoção de conteúdos indevidos, mas o processo também conta com a participação de checadores, além de disponibilizarem canais de denúncia.
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